terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sobre a mesa

A mesa da casa de João era redonda, e sobre ela haviam pratos, talheres, xícaras, leite, café, pão e manteiga. Após algumas horas, o seu conteúdo foi trocado. Colocaram copos, taças, garrafas, cinzeiros. 

Minutos depois, novamente trocado. Agora havia uma toalha estendida, fichas e baralho. Após algumas horas, uma arma se encontrava sob a mesa, na mão de alguém.

Minutos depois, sobre a mesa de João havia sangue, um corpo, desfibrilador e uma pessoa ajoelhada. Um dia depois, sobre a mesa estava João, mas não mais em sua casa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Ira

Otávio não sabia, mas aquele dia ficaria marcado para sempre no resto de sua vida.

Acordou cedo, olhou para o lado e sentiu falta da presença de sua quase esposa. Foi até a cozinha, mas estava vazia. "Provavelmente ela foi até à padaria", pensou, enquanto voltava para o quarto para trocar de roupa. Vestiu-se com uma roupa quente e começou a preparar o café. A campanhia de sua casa tocou e ele foi verificar. Ao abrir a porta, o filho mais novo do vizinho estava com um grande sorriso no rosto e pedindo por uma doação para um projeto de sua escola. Otávio colocou a mão no bolso e entregou uma pequena doação para o guri, que agradeceu e se dirigiu até a próxima casa. O homem fechou a porta e voltou para o seu café. Haviam se passado mais de 30 minutos desde que acordára e nada de sua noiva chegar. 

Terminou de arrumar a mesa e foi até a garagem, quando reparou que o carro de sua mulher não estava lá. Pensou em aguardar mais um pouco, mas ainda assim entrou em seu carro e saiu. Foi direto para o mercado que ficava mais próximo, quando no caminho avistou o carro de sua mulher em frente à uma casa grande. Parou o carro e bateu na porta da casa, uma velha senhora abriu a porta e ia se apresentando, mas Otávio logo entrou na casa e gritou o nome dela. Escutou uma porta batendo e uma figura de um rapaz apenas de roupão apareceu em sua frente, enquanto este dispensava a empregada do local.

Um milhão de pensamentos e emoções passavam por Otávio, mas tudo que ele pode fazer foi virar as costas e sair do local. Entrou em seu carro e saiu pelas ruas, enfurecido com o que presenciou e com sua ex-mulher, por estar o traindo.

Enquanto ele acelerava, não notou o sinal vermelho e o cruzou em alta velocidade. Colidiu com um outro carro no qual uma família estava indo para um passeio, porém, apenas o homem da família sobreviveu. Otávio, como ele mesmo dizia, teve o azar de sobreviver.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Saudade

Era o terceiro dia de inverno rígido e ele odiava o frio. Beto criou coragem e se levantou resmungando. Calçou os seus chinelos, vestiu o seu roupão de veludo e caminhou até a sala. Olhou pela janela e viu seu terreno coberto de neve. Os filhos do vizinho já estavam correndo de um lado para o outro e gritando muito, ato comum nos dias como aquele.

Beto foi para a cozinha e preparou uma grande xícara de café. Enquanto a água esquentava, a figura velha e cansada se caminhou até a porta, pegou o jornal e voltou para a cozinha. Com a xícara cheia e o jornal embaixo do braço, cruzou a sala e entrou em seu quarto de leitura. Ajeitou-se em sua poltrona, tomou um gole de café, alcançou o cachimbo na mesinha ao seu lado e o encheu com o tabaco forte que ele mesmo preparava. Deu um belo trago e começou a folhear o jornal, mas sem realmente ler o conteúdo escrito.

Perdido em seus pensamentos, olhou para a sala de estar e pôde ver sua mulher, jovem e linda como sempre, dançando abraçada com ele. Seus filhos passavam correndo ao redor deles, cantando e dançando as músicas estranhas que tocavam no rádio naquele tempo. Ele apanhou o seu casaco e saiu de casa, seguido pelo restante de sua família.

Beto voltou à si, levantou-se da poltrona e dirigiu-se até o banheiro. Se olhou no espelho, ligou a torneira, lavou o rosto e olhou-se novamente. Estava mais jovem, porém, completamente desolado. Seu nariz estava quebrado, seu corpo tremendamente machucado e sua roupa estava cheia de sangue. O silêncio da casa o deixava perturbado, não estava acostumado com aquilo.

Chacoalhou a cabeça com força e tudo estava como antes. A pia estava quase cheia de água. Ele fechou a torneira, foi para o seu quarto e trocou de roupa. Vestiu-se com um terno velho e desbotado. Calçou os seus sapatos e foi até a garagem. Entrou no carro, abriu o portão e dirigiu até o cemitério. No caminho, podia escutar sua mulher e seus filhos conversando no carro. Deixou escapar um leve sorriso. Ao chegar no local, desceu do carro e caminhou debaixo de uma grande nevasca. Parou próximo de três lápides, uma grande e duas pequenas. Nelas haviam a mesma data de falecimento e carregavam o mesmo sobrenome de Beto. Ele se ajoelhou, fez uma pequena prece e voltou ao seu carro.

Até hoje não consegue entender o por que daquele carro ter furado o sinal vermelho.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Desapegar

Saiu de casa e logo acendeu um cigarro. Estava completamente nervosa e precisava de algum novo sentido em sua vida, agora que seria mãe. Silvia caminhava pesadamente pelas calçadas do bairro. Não conseguira digerir ainda aquela informação. Ao avistar um taxi se aproximando, fez sinal para ele parar e entrou. Pediu para deixá-la na casa do Renato. Chegou no prédio e interfonou no 34, onde costumava ser o apartamento dele. Uma outra pessoa atendeu, Silvia perguntou por Renato e quem atendeu disse que não era daquele número e desligou.

Puxou o celular e ligou novamente para Renato, precisava saber o que estava se passando, pois não haviam 3 dias que ela estivera com ele e tudo parecia bem. Novamente, chamou até a ligação cair. Aquela atitude de não atender o telefone era típica dele. Ela já brigou com ele muitas vezes por causa disso e o mesmo se recusa a aprender. Pensou um pouco, aonde poderia estar?

Se lembrou de onde ele costumava passar quando estava com problemas e queria pensar. Começou a correr, talvez ela ainda o alcançasse. Passou por sua antiga casa, que era do lado da casa de Renato. Olhou ao redor e não o encontrou. Continuou seguindo e tentando ligar para ele.

A algumas quadras dali, Renato sentiu o seu celular vibrar e viu que Silvia estava ligando. Ele atendeu:

- Diga!

- Porra Renato, aonde é que você está?

- Por aí. E você?

- Por aí é o cacete, me diga aonde você está, preciso falar uma coisa séria contigo.

- Ok. Me encontra no bar do portuga daqui há 10 minutos.

- Ok.

Desligou o telefone e foi até o bar. O que será que ela gostaria de falar com ele que era tão importante assim? Chegando no bar, pensou em várias coisas. Ela iria se mudar? Teria encontrado o amor de sua vida? Todas os pensamentos que passavam por sua cabeça o deixavam triste, pois ele gostava muito de Silvia. Havia crescido junto dela, foram amigos de infância e namorados na juventude. Depois de um tempo, ele havia se tornado uma pessoa e Silvia outra.

Ao chegar no bar, Silvia encontrou Renato sentado e tomando uma cerveja. Sentou-se junto dele e logo diparou:

- Eu estou grávida.

Renato cuspiu a cerveja, secou a boca e fez uma cara de indignado.

- Sim, eu estou grávida. E creio que você sej o pai.

Ele a encarou por um tempo, não conseguindo acreditar no que ela havia dito.
Ela o encarou e aguardou uma resposta concreta. A cara dele parecia mostrar que ele estava prestes a fugir.

- E quando você descobriu isso? Ele perguntou.

- Faz pouco tempo.

- Merda.

Ele engoliu em seco e pediu um cigarro para Silvia. Ela estranhou o ato, pois ele não tinha o costume de fumar, mas ainda assim entregou o cigarro. Os dois começaram a fumar e olhar para o céu, ambos buscando uma solução para aquela situação.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Anunciação

O sol brilhava com força no alto do céu. Renato xingou baixinho por ter deixado seus óculos em casa. Ele estava indo até o centro, procurar alguns apartamentos para alugar. Havia sido despejado a pouco menos de 2 semanas, pois foi pego no flagra transando com a filha do locador do apartamento. Não era a primeira vez que isto acontecia com ele, parecia seu destino. Na outra vez que fora despejado, era de madrugada e o síndico do prédio o encontrou nu na escada de emergência com a sua filha. Teve tempo apenas de erguer as calças e correr escadaria abaixo.

Enquanto passava por vários apartamentos, sentiu um frio na espinha ao passar por uma casa de madeira completamente destruída e abandonada. O lugar agora parecia ser abrigo de mendigos e drogados, mas antes, Renato costumava chamar aquele lugar de lar. A casa costumava ter flores na varanda, uma passarela que se seguia da calçada até a porta de casa, com um grande jardim em volta. Agora, haviam apenas um mato alto e muito lixo. Começou a caminhar em direção à casa, passando pelo portão destruído e chegando até a porta. Entrou sem bater. A casa estava sem parte do teto, havia muito lixo no local onde costumava ser a sala. Caminhou mais um pouco e foi até o corredor. O primeiro quarto costumava ser o seu, mas agora era apenas um espaço com uma pilha de madeira. Mais a frente, onde costumava ser o quarto de seus pais, havia uma pessoa dormindo. Deu meia volta e saiu da casa, estava na hora de continuar o seu caminho.

No outro lado da cidade, Silvia estava esperando dentro de seu banheiro haviam 10 minutos. Ela estava com um teste de gravidez de farmácia na mão. Olhava para ele e para a janela. Estava tensa, pois sabia que algo de errado estava acontecendo com ela. Se passaram mais 5 minutos, ela olhou para o teste novamente e o deixou cair. O resultado era positivo. Ela gritou:

- Filho da puta!

Trêmula, pegou o celular e discou para o primeiro número de chamada rápida. A ligação chamou, chamou e caiu na caixa. Silvia saiu do banheiro, colocou seu chinelo, pegou sua bolsa e saiu para a rua. Precisava dar a notícia para Renato, pai de seu futuro filho.


Continua.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Lugar comum

Estava pronto para entrar em ação. Gostava de trabalhar sozinho, desde que começou em sua carreira. Jogou fora o restante de seu cigarro, passou direto pela porta e entrou sem chamar a atenção do gerente. Era uma loja de bebidas que ficava no centro da cidade, na esquina de uma rua escura aonde a pior espécie de ser humano se encontrava. Enquanto ia ao caixa, sentiu o seu batimento acelerar como sempre sentia antes de executar seu plano. Ao se aproximar, pegou uma garrafa da bebida mais barata e colocou no balcão. Enquanto o caixa registrava a bebida, ele olhou para trás e verificou que o local estava vazio. Sacou sua arma e encostou o cano frio na testa do gerente. Tinha uma vida em suas mãos e não se importava de jogar ela fora caso fosse necessário. 

Do lado de fora da loja, a rua estava deserta. Ele poderia fazer o que quisesse que ninguém estaria por perto para presenciar.

- Não quero te machucar, só abra o caixa e tudo vai acabar logo.

As mãos do gerente estavam trêmulas, qualquer movimento em falso e feria sua vida escorrendo pela parede atrás dele. Ele abriu o caixa e foi se afastando devagar, indo de encontro com a parade.  O assaltante, sem tirar os olhos do gerente, encheu seus bolsos com o dinheiro, pegou sua bebida, uma carteira de cigarro e saiu da loja.

Ao sair pela porta, começou a se afastar da loja antes que qualquer coisa acontecesse. Já havia guardado a sua arma e estava acendendo o seu cigarro, quando ouviu um barulho de tiro. Ao se virar, o gerente estava brandindo sua arma e gritando, esperando que alguém o ouvisse e pudesse lhe ajudar. Nenhum retorno, todos que estavam por perto conheciam a fama do bairro e nem ousavam em interferir nesse tipo de situação. O assaltante sacou seu revolver e disparou contra o gerente, mas demorou muito. Errou o gerente por pouco e foi atingido por um projétil em seu ombro. Logo derrubou a arma e começou a correr, mas não teve sorte. Outro disparo o atingiu pelas costas, assim, caindo de cara no chão. Teve forças para se virar e observar a cara do gerente. Enquanto observava o cano brilhante da arma apontada para o seu rosto, o tempo ao redor parecia passar mais devagar, o fazendo pensar em sua vida feita de escolhas que sempre pareceram sensatas. Seu primeiro beijo, a primeira namorada, o primeiro assalto, a primeira morte. Cresceu em um mundo aonde a única lei era matar ou ser morto.

E lá estava ele, dando o seu último suspiro. O clarão da arma foi a última coisa que viu em sua vida.

O gerente recolheu o dinheiro do bolso do cadáver e voltou para sua loja, como se nada houvesse acontecido. Essa era apenas mais uma noite nas ruas do centro.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Até o fim

Continuou rumando e observando atentamente cada uma das sombras, aprendendo com o que elas estavam o mostrando e reavaliando suas atitudes ao longo de sua vida. Ele estava no início de seus 40 anos, não tinha uma perspectiva de vida e cometeu muitos erros. Se considerava velho demais para concertar suas cagadas e apenas aceitava elas. Porém, após os acontecimentos recentes, começou a pensar melhor sobre o assunto e se arrepender. Poderia ter tido outra vida, ser sincero com os outros e principalmente com ele mesmo.

Quando chegou ao fim da rua, enxergou uma pessoa sentada no meio fio, de pernas cruzadas e olhos fechados. Havia uma expressão de serenidade em sua face. Porém, por algum motivo ele não conseguia chegar perto daquela pessoa. Quanto mais se aproximava dela, mais distante ela ficava. Gritou para ela, pulou e tentou chamar sua atenção de qualquer maneira, mas não obteve sucesso. Calmamente, a pessoa que estava sentada levantou-se e disse:

- Tenha calma. As respostas para os seus questionamentos virão com o tempo.

Percebeu que era um homem muito parecido com ele. Porém, o sujeito não tinha barba e parecia ser mais jovem, com mais vida. Decidiu perguntar para a figura:

- Certo. E quem é você?

- Eu sou você, porém, fiz escolhas diferentes em minha vida e cá estou. Pelo visto, tracei um bom caminho...

Não podia acreditar no que estava vendo e ouvindo naquele momento. Tivera um encontro com ele mesmo, percebeu o quão diferente seria caso tivesse traçado outro rumo. Porém, preferiu se abraçar ao bar e às ruas da cidade. Virou as costas para si mesmo e começou a andar sem rumo, quando sentiu outro baque. Dessa vez, em sua nuca.

Se encontrou no mesmo lugar em que tinha caído da outra vez. A chuva já havia parado e o dia amanhecido. Uma senhora passou ao seu lado e perguntou se estava tudo bem. Ele assentiu com a cabeça, se levantou e seguiu seu caminho. Estava confuso, pois não entendi o que havia se passado com ele, mas sabia que era sério e que deveria trilhar algum rumo em sua vida.

Enquanto caminhava, passava em frente a um bar. O cheiro de álcool o deixava atraído.

Pensou, "por quê não?" e entrou.

Pediu uma dose de cachaça. Mais uma. A terceira. Logo abraçou a garrafa e saiu sem rumo, debaixo da chuva forte e pelas ruas movimentadas da cidade, que não o deixava em paz.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Assalto

O cheiro de cachaça dava para ser sentido de longe. Ele estava completamente bêbado e voltando para casa quando a chuva começou a cair. Cobriu sua cabeça com a touca de sua jaqueta e continuou o seu caminho. Não se lembrava de onde viera e nem o por quê havia bebido tanto. Seus pensamentos estavam completamente confusos e sua mente trabalhava muito pouco, quando sentiu o baque forte na parte de trás de sua cabeça e caiu de joelhos no chão.

Acordou com o corpo todo ensopado, uma grande dor na cabeça e um vazio no peito. A princípio não conseguiu compreender tudo aquilo, pois havia todos os seus pertences e estava no mesmo local em que caiu. Continuou caminhando para casa, procurando algum sentido para alguém o nocautear no meio da madrugada. "Seria apenas uma diversão doentia da pessoa? Nocautear os outros na rua e sair como se nada houvesse acontecido?"

Ao chegar em casa, foi direto para o chuveiro. Ao tirar sua camiseta, percebeu que havia um grande buraco em seu peito. Não conseguia compreender aquilo. Olhou-se no espelho e não pode enxergar nada. Apenas uma cavidade em seu peito. Aquilo explicava a sensação de vazio, mas ainda não fazia sentido em sua cabeça. Haviam roubado o seu coração? Como ele poderia estar vivo? Nada fazia sentido naquele momento.

Vestiu-se e foi até a cozinha, preparou uma dose caprichada de sua melhor bebida e foi até a janela. De repente o mundo todo escureceu. Não enxergava as pessoas nas ruas, apenas sombras.

Sua cabeça começou a girar, nada mais fazia sentido. Pegou a chave de casa e saiu em busca de uma explicação. Andando pelas ruas, as sombras deslizavam rapidamente pelo chão. Cada uma delas carregava uma lembrança, sempre atitudes ruins que ele tomou em sua vida e que o fizeram perder coisas que seriam importantes para ele hoje em dia.


Continua.

Dor no pescoço

Era um rapaz inocente. Sempre se deixava enganar e não se importava com nada. Tentava convencer as pessoas de que era um outro alguém, mas não conseguia. 

Com o passar do tempo, começou a perceber que havia de mudar sua atitude, mas não fez nada para isso acontecer. Começou a ter os dias cinzentos e a alma pesada. Sua cabeça parecia mais pesada, sua visão era sempre do chão.

Cortou as palavras, as ações e reduziu sua presença. Abraçou a solidão e formou um par com ela.

Abandonado dentro de seus próprios pensamentos, foi diminuindo de tamanho até sumir, deixando apenas um vazio em seu lugar.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Azul

O velho pescador despertou pontualmente às 06:15, como ele sempre fazia. Levantou e se manteve de pé, seguindo o balanço do mar. Dentro de seu barco, caminhou lentamente para a parte externa e observou atentamente o mar. Preparou o seu arpão, sua vara de pescar e sentou.

Acendeu o seu velho cachimbo de madeira e fitou o mar, mas não era nele que estava prestando atenção. Estava lembrando de casa, de sua família. Tinha saudade até de seus vizinhos. Uma movimentação anormal estava ocorrendo em sua frente, mas ele demorou demais para perceber.

Era ela, o amor de sua vida, o que o afastou de todos que gostava e o levou para o meio do mar. Com todo o ar que tinha no pulmão, gritou:

- Agora eu te pego!

Levantou-se rapidamente e foi até o arpão. Com um movimento rápido, focalizou o seu alvo na mira e disparou sem pensar duas vezes. O tiro passou reto, longe do alvo.

A grande figura estranha que o pescador tanto amava e odiava se lançou violentamente contra o barco. O pescador, antecipando este movimento, se lançou contra ela e juntos afundaram. À medida que foram afundando, a pressão da água ia aumentando e suas ideias iam ficando mais confusas. Até o ponto em que pararam, se observaram profundamente e se aceitaram como complemento um do outro.

Deviam ficar juntos, pois eram um só.







terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A separação entre a alma e o corpo.

- Assine aqui, aqui e ali. Pronto, vocês estão oficialmente separados.

A alma se afastou lentamente, observando o que deixou para trás. Sem arrependimento ela partiu para uma nova experiência. Experimentou todos os tipos de culturas, tempos, lares, costumes e viveu tudo o que podia. Após tudo isso, resolveu visitar o seu antigo corpo para ver como estava.

Ele ainda estava lá, no mesmo lugar da separação. Parado, intacto. Estava mais magro e pálido do que a última vez que o vira. Toda uma vida eles tiveram juntos, adquirindo experiência através de muitos erros e poucos acertos. Com muita pena dentro de si, resolveu reatar a relação com o seu corpo. Mostrou à ele todas as coisas que havia presenciado e o deixou a par de tudo.

Lentamente, o corpo começou a abrir os olhos e mexer a boca, tentando falar algo mas completamente sem sucesso. Logo, um rapaz entrou no quarto e olhou para o corpo. Espantado, chamou outros rapazes e moças que ficaram observando o corpo e fazendo anotações.

Naquele momento, a alma inquieta tentava dar forças para o corpo fazer algo relevante, que acabasse com toda aquela situação desconfortante. Porém, o corpo nada pôde fazer.

Ele acabara de sair do coma.